terça-feira, janeiro 16, 2007

Eterno

Amanheceu. O dia escorre em nevoeiro, desfaz-se em neblina num renascer constante, imutável que se espalha em átomos de milhões de sensações.
É um mundo a crescer, num novo dia, partículas que se agitam, ansiosas num novo olhar.
Não falo de mim, nem de ti, nem de ninguém, apenas do espaço, enorme, sideral, que se estende de nós à imensidão, respirando a cada pulsar de uma vontade.
Falo das estrelas, mapas de um céu distante nesse cosmos infinito, pedacinhos de luz morrendo em explosão.
E há a esperança, não minha, não tua, mas de alguém.
Algo pulsa distante nesse Universo infinito em que o nada existe.
Há um outro nível de vínculo, um pacto diferente que eterniza um fim.
Não sou, não és, não serei nem terás sido. No parecer continuo do tempo, há o circulo que criámos, onde nos reuniremos quando o mundo tiver horas.
E enquanto for noite no Universo onde moro e o escuro transbordar, galgando os dias, digo-te adeus e durmo em mim.

quinta-feira, janeiro 11, 2007

Viagens de uma Voz

Há um grito que se esconde em mim e que irreversivelmente me atira para o abismo.
Mas não sai, porque não tenho voz. Levaram-na ao nascer, arrancando-a para longe e para fora de mim.
E voou vagabunda, a minha voz, caminhando insolente pelos mundos a conhecer.
Por vezes enquanto caminhava muda e sem perceber, parecia-me senti-la a percorrer-me o corpo aos risinhos, matreira e a sussurrar.
A voz escondia-se, fechando o grito. E eu, sorria, devagar e com certeza.
Hei-de vencer-te, hás-de parar um dia! Eu tenho tempo e sei esperar.
E o grito, era apenas um sentimento, um sentimentozinho que crescia baixinho em mim. Não sentia, não o via e talvez nem o quisesse. Era tão frágil, que parecia ouvi-lo chorar, pequenino indefeso, nas profundezas do meu ser.
Tens-me amarrado, dizia, solta-me e deixa-me ir. E eu sorria e devagar (para que não se assustasse) pedia-lhe fica, só por hoje e acompanha-me nesta viagem.
Este mundo é imenso, contava-lhe, ao anoitecer, se foges não te encontro mais, não te quero perder.
E a voz, permanecia errante, pela brisa. Hei-de vencer-te, hás-de parar! Eu sei esperar.
E foi num desses dias que te vi, noutra direcção, eu olhei e entreguei-te o sorriso, a única posse que tinha como certa.
Como era possível, estares tão perto, e eu não te poder alcançar?
Estendo-te a mão, mas tu não vês e eu não tenho voz. Estás na outra margem e não me ouves, porque não sei gritar. Tanto te prendi, grito de mim, que já não sei onde estás.
E o grito enfureceu-se. Não era esse o combinado, ele havia de sair, quando o mundo fosse pequeno, eu ia soltá-lo e deixá-lo voar.
E o grito cresceu. Era pesado aquele grito que tinha escondido em mim e que me atirava para o abismo, irreversivelmente, com a revolta.
A voz viu-me de longe e parou! Entrou e levou-me o grito que saltava na garganta.
Hei-de vencer-te, hás-de parar! gritou-me quando saiu, eu pertenço ao Universo, às estrelas, nunca a ti!
E saiu vagabundo, o meu grito, caminhando insolente pelos mundos a conhecer.
A ti, ainda te vejo passeares-te pela outra margem do teu ser e continuo sem te alcançar.
O mundo é pequeno e talvez o meu grito te encontre, perdido e se esconda em ti.
Se o vires, não lhe peças nada. Diz-lhe apenas: que fique, que o mundo é pequeno para um grito imenso e que, só por hoje, se deixe ficar.
Em mim ficou a voz. E há quem jure que traz com ela a brisa e o cheiro a mar...
E sorrio ( não vou contar as viagens desta voz).
Essa voz que, só por hoje, ainda me foge, para esperar inteira, junto a ti.