segunda-feira, novembro 29, 2010

Frio

Já te falei do frio. Mas não de mim.
Nunca te disse,
Porque as palavras magoam-me as entranhas e não quero remexer na minha dor.
Entreguei-me, desfeita. Procurei que o silêncio fixasse, como gargantilha, a minha essência asfixiante no pescoço.
Percebes então porque não te digo?
Talvez não goste das palavras que decidem. Ninguém dispõe por mim. Nem a sentença escusada das palavras.
Mas o silêncio é sempre um esforço vão.
Nunca te disse…
Que a sorrir, assalto os meus sentidos.
Arranco a gargantilha que sufoca.
Forço-me às palavras. Deixo que me trilhem as entranhas.
Ainda gosto de saber como sou por dentro.

terça-feira, novembro 23, 2010

Rendição

Entrego-me.
Fazer valer a pena a caminhada,
Deixar a solidão e a estrada.
Poisar no chão a minha história.
Deixar nos trilhos os meus passos.
Ser forte.
Erguer o rosto, não o coração.
Derrubar a resistência das palavras,
Alçar-me do silêncio que me veste.
Nunca, é a promessa.
Consumir-me nos lamentos que me assistem.
Ser forte.
Calar as vozes e a emoção.
Não abafar o que ajo, Enterrar a história.
Num esquecimento de memória, desaprender a estar aqui.
Ter coragem de estar em mim.
Deixar tocar o que se vê de mim. Ver, que falhou,
ter a aparência como companhia.
E na sabedoria desse toque,
Largar a minha mão da tua,
Ter como último retoque, o sufoco de ser livre.
Entregar-me.
Em brisa. Veres-me passar. Em ventania
Forte. Ultimo aviso.
Só dói no começo. O temporal, medes no fim.

quinta-feira, julho 15, 2010

Construção

Fiz de mim página em branco, num exíguo colo cerceado.
Um silêncio que aperta e se sufoca, num espírito consumido e apressado.
Alguma coisa menor a que retorno. A parte invisível do meu ser que luto.
Ardem desfeitas as cinzas das lembranças que fundei.
A dor inutiliza e transforma. Vicia, corrompe, seduz, deforma.
Mas o peito não sangra, nem o coração se arranca num remate.
E na construção reduta em que me ergui e me transformo,
vive inalterável numa massa contráctil. E as veias levam o seu fluxo,
como um curso. Até ao átrio vazio desta face em que me anulo.
Um particípio vão e indefinido, revogado, prazo gasto.
Ponto esquivo as minhas roupas. Local estranho que criei.
Que também elas sejam cinzas nos teus braços. Não quero
esconder mais a minha pele.

domingo, janeiro 03, 2010

Contrição

"Não é o que você não faz
Não é o que você não diz
é o fato de não ver nos seus olhos
(...)"
Andreia Horta; Humana Flor (a inspiração continua)
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É o que pensas que omites e me foge.
O querer esmiuçar ao limite da loucura,
os rodeios onde a dúvida embarga.
Querer encontrar-te. O perder-te,
nas muralhas das palavras que contróis e
esfarelam o meu peito de papel.
Escapas-me.
No escrúpulo que suspendes e se atalha.
No eco da mentira que declamas.
Vê-la crescer, farta, pública, manifesta.
A alma baralha e apodrece.
Olhar-te nos olhos.
Onde talhas a mentira que te veste.
Insistes.
Porque não és tudo o que dizes.
(Des)iludes
Abres-me uma cova no peito.
O coração cresce, amolgado,
de encontro ao peito. Enche de dor.
A lágrima ferve, a pele escalda,
apertada, cruel.
Cai-me na alma, desbotando-me o papel.
O peito abre. O coração perfura.
O sangue inunda.
Extingue o cheiro decomposto da mentira.
A esperança expira.
A lágrima cai, uma após outra.
E o que importa?
Não me anulo nas muralhas que erigiste.
Não sou mais uma borra tua.
Tu és apenas as palavras que mentiste,
escritas no papel, que empalidece.
Não finjas a verdade que te burla!
Mata em ti esse logro que jugula.
Dizer de cor, não fala.
Um dia, a alma ressente, e conquanto tente
a garganta cala, a boca desmente,
o  anúncio burlado que ainda consente.