quinta-feira, janeiro 11, 2007

Viagens de uma Voz

Há um grito que se esconde em mim e que irreversivelmente me atira para o abismo.
Mas não sai, porque não tenho voz. Levaram-na ao nascer, arrancando-a para longe e para fora de mim.
E voou vagabunda, a minha voz, caminhando insolente pelos mundos a conhecer.
Por vezes enquanto caminhava muda e sem perceber, parecia-me senti-la a percorrer-me o corpo aos risinhos, matreira e a sussurrar.
A voz escondia-se, fechando o grito. E eu, sorria, devagar e com certeza.
Hei-de vencer-te, hás-de parar um dia! Eu tenho tempo e sei esperar.
E o grito, era apenas um sentimento, um sentimentozinho que crescia baixinho em mim. Não sentia, não o via e talvez nem o quisesse. Era tão frágil, que parecia ouvi-lo chorar, pequenino indefeso, nas profundezas do meu ser.
Tens-me amarrado, dizia, solta-me e deixa-me ir. E eu sorria e devagar (para que não se assustasse) pedia-lhe fica, só por hoje e acompanha-me nesta viagem.
Este mundo é imenso, contava-lhe, ao anoitecer, se foges não te encontro mais, não te quero perder.
E a voz, permanecia errante, pela brisa. Hei-de vencer-te, hás-de parar! Eu sei esperar.
E foi num desses dias que te vi, noutra direcção, eu olhei e entreguei-te o sorriso, a única posse que tinha como certa.
Como era possível, estares tão perto, e eu não te poder alcançar?
Estendo-te a mão, mas tu não vês e eu não tenho voz. Estás na outra margem e não me ouves, porque não sei gritar. Tanto te prendi, grito de mim, que já não sei onde estás.
E o grito enfureceu-se. Não era esse o combinado, ele havia de sair, quando o mundo fosse pequeno, eu ia soltá-lo e deixá-lo voar.
E o grito cresceu. Era pesado aquele grito que tinha escondido em mim e que me atirava para o abismo, irreversivelmente, com a revolta.
A voz viu-me de longe e parou! Entrou e levou-me o grito que saltava na garganta.
Hei-de vencer-te, hás-de parar! gritou-me quando saiu, eu pertenço ao Universo, às estrelas, nunca a ti!
E saiu vagabundo, o meu grito, caminhando insolente pelos mundos a conhecer.
A ti, ainda te vejo passeares-te pela outra margem do teu ser e continuo sem te alcançar.
O mundo é pequeno e talvez o meu grito te encontre, perdido e se esconda em ti.
Se o vires, não lhe peças nada. Diz-lhe apenas: que fique, que o mundo é pequeno para um grito imenso e que, só por hoje, se deixe ficar.
Em mim ficou a voz. E há quem jure que traz com ela a brisa e o cheiro a mar...
E sorrio ( não vou contar as viagens desta voz).
Essa voz que, só por hoje, ainda me foge, para esperar inteira, junto a ti.

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