terça-feira, novembro 25, 2008

Eu queria falar-te do pó. Desse que se lança dianteiro nos meus olhos e me apaga.
Milhões de crepúsculos sombrios que se abatem e se esgotam.
Andar com sede nos lábios e ânsias no querer. Ter um peso que transforma os meus passos neste chão.
Mas em vivência dormente, vou seguindo fechada no silêncio. Com palavras certas amordaço o que não digo em mim.
Eu queria falar-te, e não quero. Na conspiração do silêncio que me assiste, espero.
Há muito que o trajecto me deixou entre grupos e ensejos.
E não olho para trás!
Se na viagem que encetei o abismo se anunciar, espero que a vertigem não me cegue e que, no salto, me veja lá do alto: a soma de todas as coisas, a presença de todos os dias, apenas mais um eco de um vazio visceral.

terça-feira, abril 22, 2008

O Louco

“Perguntais-me como me tornei louco. Aconteceu assim:

Um dia, muito tempo antes de muitos deuses terem nascido, despertei de um sono profundo e notei que todas as minhas máscaras tinham sido roubadas – as sete máscaras que eu havia confeccionado e usado em sete vidas – e corri sem máscara pelas ruas cheias de gente gritando: “Ladrões, ladrões, malditos ladrões!”

Homens e mulheres riram de mim e alguns correram para casa, com medo de mim.

E quando cheguei à praça do mercado, um rapaz no cimo do telhado de uma casa gritou: “É um louco!” Olhei para cima, para vê-lo. O sol beijou pela primeira vez a minha face nua. Pela primeira vez, o sol beijava a minha face nua.

E a minha alma inflamou-se de amor pelo sol, e não desejei mais as minhas máscaras.

E, como num transe, gritei: “Benditos, benditos os ladrões que roubaram as minhas máscaras!”

Assim tornei-me louco.

E encontrei tanta liberdade como segurança na minha loucura: a liberdade da solidão e a segurança de não ser compreendido, pois aquele que nos compreende escraviza alguma coisa em nós.”


Khalil Gibran