Eram coisas. Viviam ali, no sitio das coisas velhas, encavalitadas, umas segurando as outras.
Começaram poucas, pousadas em mão. Até que uma a uma, coisa a coisa, foram trepando até ao tecto em pirâmide. A mão já não as alcançava e saltavam ginastas sem trapézio atiradas para o topo. E pareciam tocar o céu quando arremessadas para o alto. Aí, nada lhes restava senão o sono de quem não dorme, onde permaneciam imóveis, o pó a beijar-lhes o corpo, a toca-las, cobrindo-lhes o abandono, sufocando-lhes a vida.
A menina subia ao sótão como refúgio e sentava-se no chão. Chamava cada coisa pelo nome, de cor. A sua mão pequena tentando alcançá-las de longe, em esforços. Os dedos da menina nunca chegavam a tocar-lhes, mas como truque do destino, a leve brisa que se levantava desses voos parecia acariciá-las e as coisas estremeciam.
As horas passaram ligeiras e a menina cresceu. Ainda chama por cada coisa, uma a uma pelo nome.
As coisas permanecem intocáveis, intactas, esquecidas. O pó apenas uma outra forma de tempo acumulado em camadas, trazido pelos dias. Às vezes passo-lhes os dedos e deixo-as respirar.
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3 comentários:
Lindo... Sabes quando lês uma determinada poesia (ou prosa, vá) e te identificas com cada palavra escrita? Quando parece q aquele verso foi feito especialmente para ti? Quando a poesia transpira saudade, paixão, amor e só te apetece agarrá-los e inspirar bem fundo e agradecer por teres uma vida tão cheia, tão boa, tão maravilhosa...?
Obrigada. ;)
As minhas coisas, as nossas coisas, que partilhámos, que vivemos, que guardamos! Para sempre amiga! Adoro-te :)
Vai chegar o dia em que a menina-mulher vai perceber que, em pontas de pés, sempre chegou às preciosas coisas e que não há nada que valha a pena e que seja inalcansável ao mesmo tempo*
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