quarta-feira, dezembro 16, 2009

Morrer sem vida

“A flor morreu
O ciclo acabou amor
(…)
Inchei de dor
(…)
Arrebentei, arrebentada
A dor é de vidro
(…)
essa repulsa me corta
Mas não há de ser nada
Não há saudade!
A flor morreu
(…) coitada
Despedaçada.”
-----------------------------------------------
Vou (…) fazer poesia
E amar. (…)
E só então quando finalmente meu coração
Aprender a bater devagar
Eu possa começar
A morrer.”

"Humana For"; Andreia Horta

É isso! E este é o meu grito.
Desejei, busquei, esperei, cansei, torturei-me e torturei.
Hoje, só cansei.
Não sou quem vive em ti.
Eu não vivo em mim!
Despedi-me de mim. E para onde vim?
Hoje, sei que não se pode viver dos sonhos.
Mas que neles se embebem todos os olhos, para avançar.
Quero parar.
Por um segundo, apenas um segundo,
Com cuidado despedaçar tudo o que idealizo.
E sentir no penetrante toque do vidro que pisar,
todas as dores a abrandar
os pesos compassivos, estilhaçados pelo chão.
A minha dor não é vidro.
Tantas vezes a atirei para o chão e a pisei.
E ali permanecia, intacta,
cravando-me desdenhosa, as unhas, bem fundo no coração.
Dói-me, apertado, esse coração que ainda sangra.
Bate maquinal e apressado, em busca, iludido com regeneração.
E não sei falar de mim.
Dá-me a mão…
A dor embebe-se profunda, retalhando-me o pulmão.
Demora-se, estacionada,
bebe-me a alma,
arrepela-me o sangue,
entranha-se na pele, deslizando nela, como cetim.
Eu bem disse que não te prometia.
(… Não podes amparar-me o peso de todos os soluços tristes
que guardo em mim...)
E que não sabia o que falar de mim…
E gosto de viver assim.
E é só isso...
Recorto as memórias como a um xaile de lamentos,
Coloco-o sob os ombros e acalento a solidão …
A alma definha, moída e morta.
Digo-me adeus...
Quando saíres, por favor, fecha-me a porta.
Morrer sem vida, não me doi nada.

terça-feira, dezembro 15, 2009

Palavras e um café

Sabes aquele momento em que percebes que nada mais tens a perder?
Cansaste-te de abater a vida em apostas, em acordos sem razão de ser. Olhas para o presente com olhos de futuro, e no futuro, não podes viver. Tens nas mãos as armas que dizes usar para crescer. Até hoje, só te ousaram magoar.

“Percorria aquela escadaria de mármore branca e olhava para as colunas romanas (a primeira vez que soube ver). É um sonho, apenas um sonho (mas mesmo no sono, ainda os sei reconhecer). Desci a escadaria e piso a esplendorosa relva. O vestido branco de princesa (porque o sonho é o único lugar onde o posso ser), esvoaça com a leve brisa perfeita que se agita no ar, e nos passos dos meus pés desnudos sinto a relva a tocá-los, levemente, como o sopro daquela brisa. Pura, numa ingenuidade quase natural, caminho, lentamente.”

Sabes aquele momento em que outra alma te reconhece?

“Foi aí. Simples, básico, belo e evidente, poisei os olhos no pintor que brandamente, pintava um pôr-do-sol numa tela em branco. Não sabia, não conhecia, mas podia dizer, porque o meu sonho nunca mente, que dali nasceria um magnífico e único pôr-do-sol. A hora em que nasci.
Ele poisou o pincel. A camisola vermelha em contraste com o céu misturava-se nos meus olhos e sorri, timidamente. Tu levantaste-te do singelo banco de madeira (porque o singelo é a única forma real do ser) e estendeste-me a mão. E então, não sinto. Nem dor, nem perda, nem tristeza, só amor.
O sorriso abre-se no reconhecimento do bem-querer. ‘Ficas tão bonita, quando sorris’.
(Porque ali, apenas vês a minha alma, e não a gaiola onde se encerra).
Podias ter dito. Sem falar, com as palavras que lerias dos meus olhos. Mas não disseste. Porque (e não te esqueças de que é tudo um sonho) eu não gosto das palavras, e não me queres ver triste, não me podes desapontar). Serenamente, dei-te a mão, caminhando lado a lado. ‘Não podes estar aqui’.
Falaste, num tom terno, melodioso, com o mais belo sorriso, o primeiro que realmente estava a ver. A relva não era lugar para a minha alma, que ainda tinha muito a percorrer. Juntos, subimos as escadas, e (como nos sonhos não existe tempo) sentámo-nos. Afinal, naqueles momentos, eu era dona do mundo.
Gentilmente, porque não me querias assustar, poisas-me a mão grande e delicada no ombro. Com o toque, arrepiei. Como era macia a tua pele. E como a conhecia, mesmo sem a ter tocado, mesmo sem te ter visto.
O beijo surgiu naturalmente, como o devem ser todos os beijos, puros, sinceros, naturais.
E dos teus lábios, a promessa: “Encontrei-te, e hei-de encontrar-te sempre…”


Acordas, e sabes que nada mais tens a perder, a não ser a espera. Mas o meu sonho não mente, e sei que hei-de encontrar-te.
Não sei se fugirás com repúdio da figura, se te arrependerás, mesmo antes de chegar. Só sei que os meus sonhos sempre se revelaram e este, mais uma vez, não mente.
Caminho lentamente pelos bairros iluminados com a alegria do Natal. Todas as janelas cintilam, menos eu.
Enquanto caminho, procuro-te em todos os olhos, em cada gesto, talvez te possa reconhecer. Não sei se desta vez me reconhecerás, uma vez que não trago vestido o meu traje de princesa, nem sou apenas a minha alma, mas todos os outros pesos em que a vida me soube transformar.
Ao longe, uma porta de café, quente, reconfortante. E, de repente, quero entrar. Sento-me na última cadeira, a do canto. Não vás tu chegar, e sabes como gosto de recantos…
Não te conheço, nunca te vi, já te senti. E peço-te ao anoitecer, com a inocência de um desejo de criança, que chegues brandamente, ao raiar de um novo dia. O verdadeiro começo, o novo dia, o ínicio do viver.
Bebo calmamente o meu café, esquecida de como lhe gosto do odor. Automaticamente, retiro uma caneta da carteira e começo a escrever.
No papel deposito calmamente estas palavras, deixando-as repousar. Espero mais um pouco, mas não te vejo chegar.
Pego na caneta e poiso o pires do café sob a folha. Podes chegar atrasado, e acabar por ler. Agora posso sair porta fora e voltar. Ao mundo onde sorrio, onde tenho sempre uma palavra de alento a dar, onde, aos outros, sempre faço bem, onde conservo o meu sorriso, arma do dia-a-dia, que aquece tanto e tão bem...
Levanto-me e caminho até à porta. Lá fora, já anoiteceu. Faz frio.
Aperto o casaco vermelho contra o peito, e ainda aperto a caneta contra a mão.
Maquinalmente o olhar foge para dentro, onde tudo é quente e hospitaleiro. O sangue corre-me nas veias, cada vez mais lento, cada vez mais frígido. Descubro a razão porque sempre tive frio. Tu não estás comigo, para me apertares de encontro a ti, sentindo-te abraçar-me, sentindo o corpo aquecer.
“ Não vives, não sentes, és de gelo e não existes”.
E caminho, hoje e sempre, mesmo que não venhas a aparecer, porque ainda tenho um rumo a casa. Só não tenho outra alma, que me saiba aquecer.
Agora, de volta, nas luzes de natal que me flagelam a ideia, vejo quem sou. Um corpo demasiado pequeno para uma alma que, teimosamente, o tende a corroer.
“Encontrei-te e hei-de encontrar-te sempre”.
A mim, que nunca te vi, mas que conheço os teus olhos e os cheiro, falta-me o beijo. Quando quiseres, sejas tu quem sejas, desde que o invisível possas e saibas ver, ainda te espero. Porque para mim não há longe nem há tempo.
E o meu sonho, não mente…

“Façamos, então, o meu último contrato. Já que nada mais sei perder. Leva-me o corpo e deixa-me a alma, para que assim me possas, me possa, me possam reconhecer”.

…lá dentro, o empregado leva na mão a minha chávena, e amassa o papel, que arremessa ao lixo, em mais um gesto rotineiro.