quarta-feira, agosto 23, 2006

Palavras

No negro da noite ouvia-te em mim....
Escutava as tuas palavras e ouvi-as penetrar...
Sentia-as arranhar, cortando o meu peito, esquartejando as minhas esperanças,
arrancando as minhas emoções....
E com o coração a arder mentia-te....sorria enquanto devagar, muito lentamente, ia sangrando por dentro, morrendo a cada frase, a cada suspiro de ilusão.
Não sabia, não sei, que a vida tem segredos que a memória desconhece e que o caminho que percorro afasta-me de ti, a passos largos...
Mentia-te, menti-te, minto-te....sempre que sorrio quando te vejo...quando me apetece chorar...
Fujo de ti, sempre que, no negro da noite, respondo a todas as tuas perguntas e me deixo levar,
devagarinho, lentamente, como as horas da vida, para longe de mim....e enquanto tu vais, aliviado e renascido, eu fico com a minha dor, sozinha, com as palavras.
Mas tenho-te aqui e seguro a tua mão...
Por um momento sei que estou segura, o teu corpo é quente, e eu transpiro cada palavra em mim....
Escuto-te...serena, numa luta com fantasmas invisíveis....num malabarismo de sentimentos que palpitam no coração.
E respondo de cada vez que me olhas...no negro da noite tenho-te aqui, sinto a tua mão e sorrio... Minto-te quando me faço indiferente, quando finjo que te oiço quando afinal estou longe, a galáxias de ti...tal como tu mentiste quando entraste no meu coração, perfeito, invencível, indestrutível...
A vontade de sorrir esvai-se com a mentira....e olho-te, seca e real.
Não és tu que me acordas pela noite, que me beijas os sonhos e que me dás asas... eu nem sei voar!
Esta não é a minha noite, este não é o meu sonho, e não é minha a tua mão...
Não sou eu quem te responde...
Sozinha com o meu coração caminho ao vento da madrugada
Esta noite não dormi....ouvi-te em mim e as tuas palavras ecoaram, setas fiéis, na minha direcção.
...roubaste-me o sono, roubaste-me a saída...e agora tiras-me a vida.
Tranquei-te a porta pela qual nunca entraste....
Sozinha, continuo a ouvir-te a retalhar-me o peito em pedaços que aperto singelamente contra
o peito, numa ténue satisfação.
O caminho que percorro afasta-me de ti...e corro a passos largos levando comigo o beijo que não te dei, levo também as palavras, as perguntas solto-as ao vento, gostam de viajar.
A vida tem segredos que a memória desconhece.
O peito ainda arde....e a mentir, ainda sorrio.
As palavras são soldados desarmados que se refugiam do tempo, escondidas no coração.

sexta-feira, maio 26, 2006

Centro

Escondida no centro, rodopio, no centro da palma da tua mão.
No meio, danço, bailarina e rodopio, rodopio, rodopio... como um peão
E observo-te, reflectido em mim,
perco-me nos teus bolsos, pequena, um berlinde no oceano.
Pedacinho de vidro, suave, curiosa, percorro a tua rota sem itinerário.
sentes-me fria na tua pele e na dança dos teus dedos
atiras-me de encontro o céu...
desfaço-me...
A chuva, projecta-te os meus restos...
respiras e transpiras a minha presença em ti!
...se quiseres, encontras-me nos teus arredores, nas fileiras e abismos que criaste, ou no centro de um outro sitio qualquer...
... à espera do centro da tua mão!
Algures, de alguma maneira...somos um só...
na palma da tua mão!

quinta-feira, março 09, 2006

Espera

Não tenhas medo!
Nada tenho a dizer. O que sinto, não pode ser dito. Carrego nos olhos o peso de tudo o que sinto, de tudo o que penso e que está preso em mim.
A palavra desfaz-se em silêncio e na eminência da queda prefiro voltar atrás.
Estarei contigo, para descansar no caminho e para te ver adormecer e proteger.
Roubarte-ei o frio e gurdarte-ei do calor.
Quando buscas as estrelas, entrego-tas no céu, para que te acompanhem pelo universo a percorrer.
Sei que não é a mim que procuras para deitar o corpo que se rende. Mas é em mim que adormeces, todas as noites, deixando as mágoas no meu leito. E é em mim que , todas as manhãs, te vestes, com pressa, não vá o tempo roubar-te o que tens para viver.
Não digo nada, escondo tudo, sou invisivel, impossivel, sem cor...
Nada sou... Jogas-me em precipícios e esperas que não veja, que me cegue e abra os braços à tua fé.
Para sempre. Jurei. A minha porta estará aberta sempre.
Mas não sou eterna e o meu coração não é para sempre. Nem o teu. Um dia também ele se há-de cansar de jogar-se em precipícios.
Sem fogo sou fogueira, e sem vento....sou o ar sobre a tua cara, a água que te escorre dos dedos.
Dou-te a vida, ouço-te respirar.
Não tenhas medo! Não sou eterna, nem sou céu, nem estrela, sou chão. O chão que pisas, o caminho. É nele que cai a natureza, é nele que, inexoravelmente, caem todas as coisas que não vivem para sempre, que não podem estar eternamente à espera…
E eu....ainda espero.