quinta-feira, setembro 22, 2005

Artificial

Brotam-te cascatas que te rasgam os olhos, dois lagos de cera, galgando a montanha do teu rosto. Escorre-te a água que o teu coração mandou, criando os rios da tua face desenhando-se como trechos de uma história, tatuando-se como traços de uma vida, como tinta, mágica, invisível, imortal.
E nas lágrimas que lanças, transparentes, reluzentes, não há dor, não há tormento, apenas um brotar de desamor, fraco, pobre, vazio.
Riem-se-te os lábios desabrochando, iluminando o espaço que pisas com os teus passos certos, firmes, radicais.
E nos risos que te saem, construídos, não há alento, nem calor.
Sinto-te o medo, tacteio-te os horrores. Todos te prendem, todos te amarram. E fechado em ti e nos teus temores, cortas os desafios, que caem por terra retalhados, humilhados, jogando-se em pedaços pelos pisos onde passas.
E enquanto caminhas, cabisbaixo e em penitência, vais deixando, desolados, os recantos do teu ser.
Pode ser que um dia voltes a todos os portos de onde partiste, pode ser que voltes a sorrir sem um contrato, e eu, enquanto espero, ao seguir-te pelos caminhos que traças, vou recolhendo todos os bocados que apanho. Não vás tu ter frio e precisar.
Estou lá, invisível, misturada no ar, na água que bebes. E assim, dissolvida no teu coração pode ser que me espantes e me mandes para fora de ti.
E não ficarei triste nem desamparada, esperarei apenas que me abras os braços e que me acenes, na despedida. Não espero, não quero, nada mais.
E se o sorriso que deres for puro, saberei que te curei as feridas, que te soltei das amarras e te fiz mais tu. E ali, terás por minha lembrança aqueles retalhos, que pacientemente juntei, no trabalho de uma vida.
E assim, de fronte erguida, lavas o teu rosto de cera, secando-o à luz do sol, clara, natural.
E ao abrires os olhos para a vida e veres o caminho que fizeste, eu verei que, finalmente, te ensinei a andar.
Artificial, a última lágrima artificial que deitaste antes de me instalar no teu coração, chega-te agora à memória, há muito que a baniste para longe com um sopro, o último sopro de solidão.
Artificial, bani-te para longe, vida oca!
E ao ouvir estas palavras, chego ao fim, perceberei… agora estás acompanhado.
Eu sou fada e no teu coração que fiz de casa, plantei-te no canteiro a flor do AMOR.
Vou-me embora…também tenho um canteiro para cuidar…

sexta-feira, setembro 16, 2005

Sonho

E foi assim...apenas um minuto.
Olhei o mar que se encontrava na areia, lânguido, suave, ameno, puro.
Ali, em frente ao mar, tudo parecia fazer sentido. Sim,disse, como quando se mente a um menino, muito baixinho, não vão os anjos descobrir.
Nas ondas do mar voltavam todos os meus dias, naquelas águas via a minha vida passar como num filme. Mas não me doía, não remoía dores, não buscava sorrisos, apenas via, ali, sozinha, sem sentir.
E sabia que aquele segundo iria acabar por ter um fim, tal como o pássaro voa e abre as asas ao horizonte, tal como o sol nasce e adormece, num outro monte, tal como o rio corre, para morrer de encontro a este mar.
Senti o seu cheiro, o seu olhar. Senti-o chegar, senti o peito a bater. Mas não era o sufoco da alma a mirrar, lentamente em mim, era a alegria de soltar os demónios que viviam acorrentados ao meu nome, ao meu modo de sofrer, essas sombras que me prendiam ao manicómio.
A água falta no deserto e a chuva inunda as criações, a vida é curta e a viagem uma história, os dias são longos e criam-me a memória.
E este mar trespassa-me e engrandece-me. Por um minuto, e nada mais, soube que não tinha medo, mesmo sem falar, disse todas as coisas, percorri todas as palavras, naquele minuto em que em mim, um mar foi Rei.
Mas esse mar veio de longe e como veio, foi, para encontrar um outro mar, nesse minuto precioso que marcou a minha ausência. E, tal como o fogo faz parte da terra e nasce de vulcões, levei esse mar na pele, no corpo, no amar. Em mim ficaram sempre gravados o seu jeito, o seu olhar. Conheço-lhe as acções, li-lhe as pulsações e encontrei-me num azul cristalino, ali onde o mar se deita na areia, onde doces e serenas as ondas sussurram murmúrios divinos, baixinho, não vá o céu ouvir e a história acabar, nesse minuto em que o mesmo sol que se levanta no infinito, desce veloz, em direcção ao imenso mar. Assim, como num sonho, simples, sem sentido, forasteiro, irreal…
Sim, disse em sussurros, vai que eu aceito! Sigo o meu caminho…não me esqueci de nada, não minto, disfarço.